“A minha decisão de estar presente, mesmo após a morte, na formação de médicos no Brasil”

“A minha decisão de estar presente, mesmo após a morte, na formação de médicos no Brasil”
Laboratório de Anatomia Humana da Universidade Federal de Jataí (UFJ). Fotos: Divulgação/UFJ/Jataí

Ricardo Venturelli

Relato sobre a decisão de doar o corpo para a ciência (Complemento à Reportagem: BBC Junho 2023)

O professor Ricardo Venturelli (foto), procurou informações sobre como se cadastrar para doar o corpo após a sua morte.

A possibilidade de poupar uma vida é a principal motivação para a doação de órgãos. Já para a doação do corpo humano, sabe-se que uma das motivações é o benefício da qualificação adequada de profissionais da saúde para a sociedade, que, secundariamente, tem impacto na redução da mortalidade.

Para o professor Ricardo Venturelli, doador de sangue há 39 anos, a decisão de estar presente na formação de médicos no Brasil tem muitas razões. "Ainda menino -- como muitas crianças --, sonhava em ser médico. Abraçado pelas Letras, tornei-me professor e me aperfeiçoei no verbo AMAR. Até chegar ao verbo DOAR, foi um pulo!", comenta o professor Ricardo. "E a leitura de

bons livros foi-me abrindo horizontes. Entre os muitos assuntos que começaram a fazer de meus dias, interessou-me a CIÊNCIA pela vida. Minha mente foi se abrindo e com isso descobri que a minha colaboração como DOADOR poderia ir além da vida. Como? Comecei a pesquisar, pesquisar e descobri que JÁ ERA POSSÍVEL DOAR CORPOS EM VIDA aqui no Brasil, totalmente amparado por lei."

Segundo as estatísticas estaduais, atualmente com 15 escolas médicas, Goiás tem hoje uma média de 1458 vagas disponíveis para a capacitação de médicos. A desproporção entre o número de programa de doação de corpos PDC - e de escolas médicas é um problema nacional, e sugere que o estímulo à criação de novos programas de doação de corpos PDC -, possa solucionar a falta de corpos para ensino e pesquisa. Um estudo recente, no Brasil, quantificou duas comissões estaduais com a responsabilidade de captar e distribuir corpos para as IES, além de 39 PDC’s organizados em diferentes IES, distribuídas nas regiões: Nordeste (seis), Centro-Oeste (quatro), Norte (um), Sul (11) e Sudeste (17).

Em Goiás, apenas o programa de doação de corpos (PDC) Presentes Anatômicos, da Universidade Federal de Jataí (UFJ), está em funcionamento e oferece esta terceira possibilidade de destino do corpo após a morte. Um dos quatro programas em funcionamento na região centro-oeste do país, possui atualmente dez doadores cadastrados. De acordo com a professora Barbara de Lima Lucas, professora de Anatomia Humana, e membro da equipe do PDC, as Instituições de Ensino Superior (IES) têm um desafio: resolver o problema da falta de corpos para a melhor capacitação de profissionais da saúde, por meio de um programa de extensão universitária que envolva a participação de toda a comunidade local. Algumas pessoas não desejam ter o seu corpo apenas enterrado ou cremado após a morte. Elas buscam colaborar de alguma forma para a ciência, permitindo o estudo do corpo humano. Assim, a IES deve oferecer à comunidade o serviço procurado por estas pessoas: o estudo do corpo após a morte. O PDC é uma ação de extensão universitária, pois disponibiliza para a comunidade, a terceira opção para o corpo após a morte, além do enterro e da cremação. Para funcionar, o PDC deve ser aprovado nas instâncias institucionais (fiel depositária do material biológico), e devidamente divulgado para que a comunidade faça o cadastro em vida.

Morando em Goiânia há quase 10 anos, o professor Ricardo conheceu a Faculdade de Medicina da UFJ, após procurar informações sobre a doação de corpos com a Central de Transplantes de Goiás. Foi desta maneira que conseguiu o contato da equipe do programa Presentes Anatômicos. Após uma entrevista, apresentou a documentação exigida, e se cadastrou há 4 meses. O professor comenta que "Se antes eu tinha conhecimento, agora eu tenho consciência. Muitos pensam que doar é a mesma coisa que dar; não, DOAR é muito mais, é algo grandioso!

Ainda que o Brasil possua um dos maiores programas de doação de órgãos, ocupando o segundo lugar mundialmente em transplantes de órgãos, a divulgação sobre o assunto permanece precária e é apontada como o maior fator dificultador no processo. O desconhecimento é ainda maior para doação de corpos. Embora resguardados por lei federal (Lei 10.406/2002), a falta de conhecimento por parte da população é o problema central para o início das atividades dos PDCs, afirma Glender Ferreira Santos, Coordenador do Laboratório de Anatomia Humana da UFJ. Parcerias com instituições públicas e privadas podem viabilizar soluções para garantir celeridade dos documentos necessários, e garantir a transparência ao processo de doação. Uma série de entrevistas com membros da comunidade, abordando aspectos filosóficos e culturais da doação de corpos, foi desenvolvida por meio de parceria entre a UFJ e a TV e Rádio Câmara da Câmara Municipal de Jataí.

 De acordo com o Coordenador do PDC Presentes Anatômicos, professor médico Luiz Carlos Bandeira Santos Junior, a doação de órgãos para transplantes não inviabiliza a doação do corpo para a ciência, ou seja, quem doa o corpo para uma IES pode previamente ter doado órgãos para salvar uma vida. A transparência das informações estimula o apoio da comunidade ao PDC por meio do cadastro em vida, comenta a professora de anatomia da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), Andrea Oxley da Rocha. O cadastro não garante que a IES receberá o corpo, pois depende de outros fatores na ocasião da morte, tal como a causa do óbito. Por exemplo, a morte por causa violenta é um dos critérios impeditivos ao recebimento do corpo pelas IES. Entretanto, o cadastro pode facilitar a composição dos documentos necessários à efetivação da doação, como facilitar a emissão da certidão de óbito em onformidade com o processo de doação.

 

O professor Ricardo Venturelli aproveita para deixar a seguinte mensagem para as

pessoas que se interessam pelo assunto: "Ninguém sangue; ele DOA, porque é um ato de amor. Ninguém órgãos; eles são DOADOS, porque é um gesto de solidariedade. Ninguém medula óssea, ele DOA, ```TRANSFERE``` um pouco de seu "tutano", que -- em outras palavras -- significa parte de seu âmago, de seu interior, para quem está necessitando com urgência, para quem precisa dar continuidade à sua vida."

"DOAR ÓRGÃOS e TECIDOS para transplantes é um gesto humanitário que precisa fazer parte da cultura deste País. Está ganhando impulso! DOAR está associado a outros verbos, como dedicar, entregar, devotar, destinar. Quem é DOADOR se dedica a alguma causa ou a alguém. Ele se entrega de corpo e alma, sem esperar recompensa alguma. Devota amizade e respeito ao próximo, incondicionalmente. Seu destino é servir! DOAR faz bem para o coração e para a alma! É muito bom quando nos enchemos de amor ao próximo; principalmente quando o próximo está vazio… Antes de querer ser DOADOR, basta que tenhamos INTENÇÃO. É o primeiro passo! DOAR é DAR-SE. Não dói! Então, DOE!"

Ricardo Venturelli, 69 anos de idade, é professor aposentado. Em Belo Horizonte, lecionou Língua Espanhola no Centro Universitário UNA. Cofundador da ONG Mudança Já, exerceu a função de Coordenador e professor de Língua Portuguesa, Língua Espanhola, Redação e LATIM para estudantes de Direito. De passagem pelo Distrito Federal, deu aulas de Língua Espanhola no Ministério de Relações Exteriores. E de Língua Portuguesa em cursos preparatórios para concursos e vestibulares.

REFERÊNCIAS:

BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil [Internet].
Diário Oficial da União, [Internet]. Brasília, 11 jan 2002. Disponível: https://bit.ly/1hBawae Acesso em: 21 ago. 2023.

CÂMARA MUNICIPAL DE JATAÍ. Espiritualidade em foco: A Doação de Órgãos e Corpos Humanos. Portal da Câmara Municipal de Jataí; [26 de setembro de 2023]; citado 21 de novembro de 2022. Disponível em [https://lah.jatai.ufg.br/p/43913-espiritualidade-em-foco-tv-camara]. Acesso em: 21 ago. 2023.

ESCOLAS MEDICAS. Estatísticas das escolas médicas por estado. [Internet]. Disponível em: <https://escolasmedicas.com.br/estatisticas-nacionais.php.> Acesso em: 21 ago. 2023.

De OLIVEIRA, A. F. C. G.; CARDOSO, R. A. de B.; FREITAS, K. C.; LOTTE , E. J.; LUCAS, B. de L. Lacunas e Fatores Impeditivos da Doação de Órgãos no Brasil:
Revisão de Literatura. Brazilian Journal of Transplantation, [S. l.], v. 26, 2023.
Disponível em: https://bjt.emnuvens.com.br/revista/article/view/520.Acesso em: 2 out. 2023.

LUCAS, B.L.; Da ROCHA , A. O. Análise de lacunas e perspectivas sobre programas de doação de corpos: relato de experiência no Brasil. Revista Brasileira de Educação Médica. v.47, n.3, p.e102, 2023.

Para mais informações procure a Universidade Federal de Jataí.

INSTITUTO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE
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