Brasil dá passo importante na regulamentação sobre saúde mental no trabalho; entenda

Brasil dá passo importante na regulamentação sobre saúde mental no trabalho; entenda
Foto: Divulgação

Nova norma obriga empresas a identificar e mitigar riscos psíquicos no ambiente laboral, reconhecendo o burnout como doença ocupacional

Durante décadas, a saúde mental foi tratada como um tema sem prioridade na medicina ocupacional. Fadiga, apatia, insônia e crises de ansiedade tinham costume de ser diagnosticadas com rótulos amplos como estresse ou depressão, sem grande atenção às suas raízes ambientais. Em 2025, no entanto, o Brasil dá um passo histórico com a implementação de uma nova Norma Regulamentadora (NR) voltada exclusivamente à prevenção de doenças psíquicas relacionadas ao trabalho.

A nova regulamentação exige que as empresas monitorem fatores psicossociais com o mesmo rigor com que avaliam riscos ergonômicos ou físicos. Entre os elementos considerados estão carga cognitiva excessiva, ambiguidade de papéis, metas inalcançáveis, isolamento organizacional e cultura de hipercompetitividade. Tudo isso passa agora a ser objeto de fiscalização e passível de sanção.

Para o médico nutrólogo e intensivista José Israel Sanchez Robles, o impacto da nova NR é revolucionário. “Estamos assistindo a um reconhecimento inédito de que a saúde mental é uma questão de saúde pública, e não apenas de foro íntimo”, afirma. Ele observa que o burnout, por exemplo, “deixou de ser um clichê corporativo para se tornar uma síndrome com critérios clínicos, fisiopatologia definida e implicações sérias para a vida do trabalhador”.

Desde que a Organização Mundial da Saúde incluiu o burnout na CID-11, a abordagem médica mudou. Não se trata apenas de fadiga, mas de um esgotamento profundo que pode afetar o sistema endócrino, imunológico e cardiovascular. “A exposição crônica ao estresse no trabalho altera o eixo hipotálamo-hipófise-adrenal, levando a quadros de hipercortisolismo e neuroinflamação. É um adoecimento sistêmico”, alerta o médico.

Outro dado preocupante é o avanço da solidão como fator de risco. Estudos recentes mostram que seus impactos são comparáveis aos do tabagismo e da obesidade. No Brasil, metade da população relata sentir-se frequentemente solitária, número ainda maior entre jovens e trabalhadores remotos. “A solidão não é apenas um sentimento; ela provoca alterações reais no corpo, fragiliza o sistema imunológico e aumenta a incidência de transtornos psiquiátricos”, explica José Israel.

A nova norma impõe às empresas a implementação de programas preventivos e intervenções estruturadas, mas os especialistas alertam que isso não será suficiente sem uma mudança cultural. “Mais do que tratar, precisamos prevenir. Isso significa incorporar a saúde mental nos exames periódicos, nos programas de qualidade de vida e nas decisões institucionais”, defende o especialista. “É hora de deixarmos o discurso simbólico e partirmos para ações concretas nessa nova era sanitária”, completa ele.