Por que muitos homens confundem afeto com posse?

Em uma sociedade historicamente marcada por estruturas patriarcais, é comum que certas distorções emocionais passem despercebidas ou até mesmo sejam normalizadas. Uma dessas distorções é a confusão entre afeto e posse — um fenômeno presente, sobretudo, em relacionamentos heterossexuais, onde muitos homens associam amor com controle, cuidado com vigilância, e parceria com dominação. Mas por que isso acontece? E como essa confusão pode afetar negativamente os relacionamentos?
A raiz cultural da posse disfarçada de amor
Durante séculos, a figura masculina foi associada ao papel de provedor e líder do lar, enquanto a mulher era vista como propriedade, algo que precisava ser "protegido", "guiado" ou "disciplinado". Mesmo com os avanços sociais, muitas dessas ideias ainda permanecem no inconsciente coletivo e se manifestam em comportamentos sutis — e nem tão sutis assim.
Homens são, muitas vezes, ensinados desde pequenos a não demonstrarem vulnerabilidade. Em vez disso, aprendem a expressar emoções por meio da força, do ciúme e do controle. Assim, o afeto acaba sendo traduzido como "preciso manter essa mulher por perto, sob controle, para não perdê-la", e não como "quero que ela seja feliz, mesmo que isso signifique liberdade e autonomia".
Ciúme não é prova de amor
Um dos sinais mais comuns dessa confusão é o ciúme excessivo. Muitos homens acreditam que sentir ciúmes intensos é sinônimo de amar profundamente. No entanto, o ciúme, quando ultrapassa o limite do saudável, revela insegurança e desejo de controle — não carinho genuíno.
Quando um homem vê sua parceira como um território a ser guardado, qualquer contato dela com o mundo externo pode parecer uma ameaça. O afeto, nesse caso, se torna uma desculpa para proibir, vigiar e dominar. E o mais perigoso é que, em muitos contextos, esse comportamento ainda é romantizado.
Amor não é prisão
Um relacionamento saudável é construído com base na confiança, no respeito mútuo e na liberdade. Quando o afeto vira sinônimo de controle, a relação deixa de ser amorosa para se tornar abusiva. Frases como "eu só faço isso porque te amo", "você é minha" ou "ninguém vai te amar como eu" podem parecer inofensivas, mas escondem um desejo de dominação que compromete a individualidade da outra pessoa.
Além disso, a posse emocional pode evoluir para comportamentos mais graves, como isolamento social da parceira, manipulação psicológica e até violência. O que começa com "preocupação excessiva" pode terminar em controle total da vida da outra pessoa.
Falta de educação emocional
Grande parte dessa confusão também nasce da ausência de uma educação emocional sólida para os homens. Muitos cresceram sem espaço para falar sobre sentimentos de maneira saudável. A carência é escondida sob comportamentos autoritários, e a vulnerabilidade se transforma em controle.
Enquanto isso, demonstrações de afeto genuínas — como ouvir, apoiar e permitir que o outro seja quem é — são vistas como fraqueza ou perda de masculinidade. É necessário, portanto, ensinar aos homens que amor não é posse, e que cuidar não é controlar.
A importância da desconstrução
Romper com esse padrão exige esforço e consciência. Homens precisam aprender que amor não é sobre ter o outro para si, mas sobre caminhar ao lado. É preciso enxergar a parceira como um ser humano completo, com vontades, desejos e individualidades, e não como um troféu ou extensão do próprio ego.
Terapia, rodas de conversa, livros sobre masculinidades e, acima de tudo, escuta ativa podem ajudar nesse processo de desconstrução. A mudança começa com o reconhecimento: entender que a forma como se aprendeu a amar talvez não seja saudável — nem para quem ama, nem para quem é amado. fikante
Conclusão
Confundir afeto com posse não é amor — é desequilíbrio emocional travestido de cuidado. Enquanto o verdadeiro amor liberta, a posse aprisiona. E todo relacionamento baseado em controle, ciúmes e vigilância está fadado a sufocar a individualidade que deveria ser celebrada.
É hora de parar de romantizar comportamentos possessivos e começar a redefinir o que significa amar alguém de verdade. Porque, no fim das contas, o amor saudável é aquele que respeita, acolhe e permite que o outro seja livre.
Fonte: Izabelly Mendes.